Imagine a cena: a equipe do governo encarregada de tanger a duna de volta pro morro. Cedo, os homens chegam ao local, a areia espalhada na pista. Observam, medem com a vista o tamanho do estrago. Carros derrapando ao passar, mulheres se desequilibrando, meninos respirando areia.
Fingem desconcerto. E então se põem a mourejar ao sol, devolvendo ao morro o que sabem que, logo, logo, tornará ao canto de sempre, quando terão de voltar e mais uma vez refazer o desfeito. Para isso são pagos.
Mas, ao final, sabem que é como deter a água do mar com um rodo ou impedir a passagem do vento com uma sacola. Um empreendimento de Sísifo.
Quis ver poesia no fato de que a duna reocupasse o lugar que é seu, a natureza sempre retomando o controle, impondo-se ao construto e toda essa besteirada que escrevemos para compensar a impotência e disfarçar o fato de que, no frigir dos ovos, perdemos muito e sempre.
Porque as dunas pelejam, mas estão derrotadas de antemão, não há dúvida de que, cedo ou tarde, o inteiriço se fragmenta, quem sabe para se reagrupar mais na frente. Por ora, no entanto, é todo caco.
Há, evidentemente, o ridículo da situação: interpelar a justiça e dela esperar autorização para, daí sim, passar o pano na rua recoberta de areia porque, afinal, é o que faz a areia: espalha-se, e com o que não se contém o humano tem uma dificuldade imensa.
É trabalhoso pôr os materiais no seu devido lugar, estreitando seus limites, sobretudo desses de contorno arenoso, aquoso, ventoso. O mais comum é que a coisa viva forceje para fora, cada dia um bocado, até finalmente escapar de todo.
É como opera uma duna móvel: movimenta-se. Se hoje está aqui, amanhã não está mais e semana que vem pode ser vista numa esquina acenando para um Uber ou descendo a Desembargador Moreira de canga a caminho da praia, dona de si.
A duna é migrante, logo não se conforma ao cercado nem ao delimitado pelas leis, é organismo sem borda, inteiro atravessado, não cabe na planilha do fiscal ou na pá do agente que a tenta apanhar, ciente de que, nesse gesto, também a perde.
E calharam de traçar a pista ao lado desse corpo informe, algo como construir sobre terreno cediço? E agora reclamam da areia que sobrevém? Burrice, mas sempre temos esse momento de ser-se burro na vida.
Torço pra que façam uma “live” dos homens estertorando nesse trabalho perdido de empurrar os grãos enquanto eles voltam, um descumprindo o feito do outro, como naquele desenho animado em que dois personagens que pintam o poste, manuseando e sobrepondo cores diferentes.
E passaríamos a tarde inteira pensando nisso de controlar as dunas e impedi-las de bloquear os caminhos, talvez até vendo graça na pouca serventia que tem uma empreitada desse tipo, destinada desde o princípio ao fracasso.
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