Há quem se refira ao presidente como mito, no que estão certos, porque se trata de alguém que mente patologicamente, mente ao natural, mente porque respira e porque tem uma tarefa política: reeleger-se. A mentira, portanto, está assentada num universo cujo centro gravitacional é esse sol fabricado, irreal, em suma, mentiroso, desconectado da realidade.
Mitomaníaco.
O discurso orbita a mentira, vai lhe dando ares de verdade não por seu conteúdo, flagrantemente inverídico e facilmente desmentido, mas pela performance.
Ali está uma pessoa que mente convictamente, um narrador que não é somente inconfiável, é desbragadamente mentiroso e por isso um narrador a quem se dá ouvidos.
Não é como se desdobrasse uma historieta em que ali e ali faltassem peças e o seu autor as preenchesse como quer, sem que isso afetasse o pacto de leitura da obra. Ok, sei que houve exagero eventual, o que não compromete a totalidade do que foi apresentado.
O presidente procede por outro meio, no entanto. Sua falsificação é uma constante, um conector e um substrato, reforça-se por meio de elementos que vão e vêm no discurso, articulado em torno desse eixo.
A mentira é seu universo, ele o habita publicamente, mantém com a fala falseada uma relação simbiótica. Minto, logo governo. Narrando a mentira como verdade, almeja equiparar-se ao homem comum.
No fundo, porém, me pergunto: se sabe que é mentira, por que mente?
Há dois caminhos: um é que, cioso da mentira, Bolsonaro pretende colher dividendos políticos. A confiabilidade é assegurada por ele, o emissor – quem fala, não importa o quê, certifica a validade da sentença, o que lhe franqueia amplo espaço para manobrar politicamente qualquer assunto a fim de obter qualquer ganho – a liberdade dos filhos, a reeleição, a cortina de fumaça contra desmonte de ações governamentais etc.
Segundo caminho: não sabendo que mente, mente. Nessa hipótese, a mentira é sua ética, vive-a como vida autêntica, seus valores estão ao revés.
Disse que a mentira está desconectada do real na expressão bolsonarista, mas julgo que se dá exatamente o contrário. O presidente, como um vulgar, extrai de sua experiência cotidiana os indicadores – os elementos de plausibilidade – e, com eles, monta seus quadros horrendos nos quais os inimigos urdem uma conspiração para golpeá-lo.
O solo do qual retira suas mentiras é, portanto, o mesmo chão de todo mundo.
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