É possível haver coincidência no fato de que dois autores comumente associados lancem ao mesmo tempo romances que não apenas se tangenciem, mas se complementem? É o caso de Domenico Starnone, com “Segredos” (Todavia), e Elena Ferrante, com “A vida mentirosa dos adultos” (Intrínseca), ambos publicados no Brasil quase simultaneamente.
Se Ferrante reelabora temas que lhe são caros, como a família, a subalternidade, a violência e as máscaras sociais, Starnone também revisita o universo que se abre na sua prosa: as relações familiares e suas tensões, ora recalcadas, ora explicitadas nos conflitos domésticos.
Em “Segredos”, o escritor apresenta Pietro, um professor cuja vida se constrói meticulosamente, tal como um projeto que se desenrola por cálculo. Assombra-o, no entanto, um segredo, dividido muito tempo atrás com uma mulher: Teresa.
Não se trata de qualquer pecadilho, mas de um terrível segredo capaz de fazer ruir sua carreira como escritor e pensador reconhecido nos círculos da intelectualidade italiana.
Namorados, Pietro e Teresa se desentendem e, embora amem-se profundamente, deixam-se. O professor casa-se com Nadia. Nascem-lhe filhos – um deles é Emma, uma jornalista de vida conjugal agitada e que depois irá narrar parte da história.
O livro divide-se em três relatos: o de Pietro, que consome quase todo o espaço; o de Emma; e o último, da própria Teresa. Como se enxergassem o mesmo problema sob ângulos diferentes, acrescentam detalhes e informações, revelando camadas do que está encoberto, mas sem nunca chegar à revelação pela qual se espera: o teor e a gravidade do segredo.
É esse pacto em torno da mentira e de uma busca que aproxima Starnone de Ferrante, ambos já intimamente ligados por meio da suspeita que paira sobre o casal. Afinal, Anita Raja, com quem Starnone (também um pseudônimo) é casado, já foi apontada como o rosto por trás do nome da autora da tetralogia napolitana.
Oriundo de Nápoles, mas vivendo em Roma, Starnone parece espelhar suas histórias nas obras de Ferrante, tal como já havia sucedido com “Dias de abandono” (2016), romance que tem conexões com “Laços” (2017), o primeiro volume da trilogia do escritor – a ele seguiu-se “Assombrações” (2018), todos publicados em português pela Todavia.
Os pontos de contato entre os dois autores são estreitos. "Segredos" aprofunda esse vínculo, como se sugerisse jogos de leitura, que vão desde o enredo e suas implicações até as questões de autoria.
Num aspecto, porém, divergem. Se Ferrante é caudalosa e grave quase todo o tempo, traçando amplos painéis da história italiana, Starnone é breve – seus três livros, juntos, não rivalizam em tamanho com um volume da tetralogia. Mas não se enganem: cada um é de uma potência avassaladora.
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