Era 29 de dezembro de 2018
quando escrevi: “No mar há um instante em que nenhum vento sopra, nenhuma onda
quebra, nenhum mergulho se ouve. É essa a paisagem que vejo daqui”.
Daqui era o lugar de então, um
espaço movediço do qual falava naquele finalzinho de ano em que me recusei a
fazer essa operação de olhar em torno e tentar apreender num só movimento o
todo que me abarcava. Foi quando essa imagem se impôs, a do corpo flutuante,
suspenso como se sem peso, parado em meio ao cenário de esgotamento numa travessia
temporal, a passagem ritualística do calendário.
Atravessei o ano, cruzei-o inteiro e cheguei à outra margem.
Atravessei o ano, cruzei-o inteiro e cheguei à outra margem.
O mar agora é outro, as
toneladas de areia e sedimentos jogadas mecanicamente por braços de tratores às
vésperas da festa alteraram o caminho das correntes. As ondas não são as
mesmas, tampouco a profundidade. Nele afunda-se tão logo metem-se os pés na água.
As pás cavaram sem descanso nos meses
que antecederam ao fim, deitando fora uma terra e depositando no vão recém-aberto
materiais que não eram de lá. Impossível flutuar como fiz um ano atrás, tudo como
se parado por decisão e não por um segundo em que essas forças se interromperam.
Tinha os pés plantados, firmes
mas leves também. De vez em quando gostava que as flutuações conduzissem as
palmas, e as pernas ondulavam, o corpo mergulhado. Apenas
ombros, braços e cabeça acima da linha da água.
Um réptil que descobrisse a orla de uma cidade secreta. Um lagarto que chegara por acaso à praia.
Um réptil que descobrisse a orla de uma cidade secreta. Um lagarto que chegara por acaso à praia.
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