Foi assim. Quis voltar e voltou de fato.
No início ficou contente. Estava tudo como tinha deixado, a mesa, as cadeiras,
o cinzeiro repleto de cotocos de cigarro fumados no corredor e as marcas na
parede e roupas penduradas nos cabides. Mesmo a lâmpada permanecera acesa depois de
saírem às pressas porque precisavam de um lugar maior, um lugar onde coubessem
todas as coisas que tinham e que pretendiam ter nos próximos anos.
O chuveiro ligado, a água
caindo, o ralo do banheiro como uma draga, um pequeno buraco negro na cerâmica
engolindo a energia que despencava. O mesmo aquário em cima da geladeira porque
dez peixes morreram sem explicação e até hoje não tinha conseguido solucionar o
mistério: um a um, foram desaparecendo, como se em vez de um homem metido num
escafandro houvesse posto no vidro um serial killer.
As plantas no parapeito, os
jornais empilhados do lado de fora e a guirlanda e a vizinha que não
cumprimentava nem falava nada exceto quando tinha companhia. Uma vizinha
clariceana, procurando sabe-se lá que respostas a sabe-se lá quantas perguntas.
O porteiro, os filhos do
apartamento 12 e o velhote do 17 que tinha convidado uma jovem trinta anos mais
nova para tomar banho e depois até deitar um pouco na cama e assistir TV.
Tinha sonhado que estava tudo
no lugar onde sempre havia estado. Então acordou. Foi um dos instantes mais
promissores do dia.
Publicado em agosto de 2015 e repostado agora por motivo de força maior (pane técnica)
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