Hoje experimentei escurecer a
sala, pus na janela uma cortina que bloqueia boa parte da luminosidade. Quando
terminei, me afastei alguns metros, como um pintor que toma distância da parede
a ver se ficaram zonas que precisem de retoques.
Gosto da meia-luz, e a
impressão que tenho agora é de que a sala está de acordo com um clima que tento
preservar no dia a dia. Um tipo de ambiente no qual posso sentar a um canto e
escrever ou conversar.
Há brechas, porém. Aqui e ali,
as falhas da cortina se evidenciam, e uma luz coada atravessa o material
sintético, de cor entre branco e creme, projetando claridade no cômodo.
É pouco, mas suficiente para
saber que está lá, percorrendo vagarosa a superfície do anteparo que vaza, como
quase tudo.
Alterno luz intensa e sombra. De
manhã, por exemplo, escrevo banhado pela janela aberta, o sol batendo-se contra
o branco da parede. São as primeiras horas do dia, e nelas normalmente estou disposto,
quase bem-humorado.
O passar do dia vai alterando
esse humor e, com ele, a relação com a luz. Depois do almoço, vou às janelas e cerro
as cortinas, que estalam com o vento.
Esta de agora é diferente.
Pequena, não serve de muita coisa. Instalei para que pudesse jogar videogame e
enxergar a televisão, que reflete muitas sombras, impedindo que distinga as
criaturas que eu controlo das formas imaginárias que a luz inventa.
Talvez amanhã retire a cortina,
e tudo volte ao que era.
Comentários