Sem querer, acho que alterei
horários, e agora tenho preferido escrever à noite, em silêncio, correndo o
risco de dormir ou de deixar o computador ligado enquanto jogo por meia hora, e
essa meia hora logo se transforma em uma hora e depois em duas. Nesse instante,
vejo a manhã chegar pela janela e passo sonolento em direção ao quarto, notando
o computador piscando em modo de descanso, mais ou menos como a luz do Hal 9000
minutos antes de morrer.
Sempre gostei das manhãs, por
uma razão trivial. Estava limpo, fresco, sem o peso do dia sobre as costas.
Cada coisa que escrevesse seria, portanto, a primeira coisa do dia, e não o que
havia resultado das horas passadas, do cansaço do trabalho e por aí vai. Não era
garantia de qualidade, tampouco de novidade, mas um jeito mais natural de fazer
aquilo, como tomar o café.
Agora, não sei bem por quê, as
coisas ficaram um pouco diferentes, e esse tempo transcorrido entre a manhã e a
noite tem sido uma exigência pessoal, quase física – só depois dele é que
considero a possibilidade de escrever, quando todos já estão dormindo e na casa
vizinha escuto uma música antiga.
Suponho que essa mudança,
pequena mas significativa, tenha relação direta com o afastamento do ambiente
de trabalho, as horas de leitura dedicada e a entrega deliberada a um processo
de desligamento – algumas pessoas diriam “desintoxicação”, palavra da qual não
gosto mas sobre a qual talvez acabe escrevendo noutra hora – de uma série de coisas:
redes, hábitos, rotas.
Não é nada de caso pensado,
proposital, como um plano de manejo ou uma nova concepção de mundo. Apenas foi
se tornando assim, ganhando esse rosto, essa conformação, e, quando vi, havia
desenvolvido outros modos de lidar com as coisas do mundo. “As coisas do mundo”, digo e rio um pouco
disso.
Escrevo de tarde. Pela janela o
sol bate mais forte, projetando uma luz incômoda. É sexta-feira. Faz 34° C.
Tenho pensado em organizar os livros sempre que preciso encontrar algum, seja
por que motivo for, principalmente quando a busca é custosa e a ocasião,
urgente. Hoje mesmo saí à procura de um romance que não achava em qualquer
lugar, nem naqueles locais onde habitualmente procuro sempre que extravio um
volume. Não encontrei.
Estive alguns segundos olhando as
estantes desorganizadas, ou organizadas conforme um critério particular que nem
mesmo eu sei qual é. Livros misturados, mas cada qual facilmente encontrável,
ao alcance da mão, dissimulados entre pilhas de leituras estranhas entre si.
O desejo de pôr ordem aos
livros tem alguma relação com a inversão de horários nessa nova rotina? Não sei.
Apesar das mudanças, gosto de mantê-los dessa maneira, aleatórios, randômicos, como
se recusassem admitir uma disciplina que às vezes tento me impor no dia a dia e
da qual, vez por outra, extraio um ganho incerto.
Comentários