Pensei num balanço, coisa que
escreveria a fim de retomar o fio do ano perdido entre casas descosturadas e
botões desfeitos.
Desisti ante o esforço. Caberia
uma rememoração custosa, coisa que não me vejo capaz de fazer agora, talvez nem
tão cedo.
O que não impede de ir sozinho
amiudando uma conversa comigo, algo próximo dessa ruminação bovina que demarca
um cotidiano com vagar. Fico andando, somente. Um arrastado de chinela de dedo
pelo corredor como se rondasse a porta entreaberta atrás da qual se esconde - o quê? Eu não sei.
Depois descalço, as plantas dos
pés tocando o frio da cerâmica, e em seguida tudo se ajustando numa temperatura
só.
É ano sem medida este que se
encerra. Tempo dilatado no qual cabe muito e do qual muito escapa pelas bordas. Matéria inapreensível, tão escorregadia que não arrisco deter sob o risco de não haver nada ao final para segurar.
Quem sabe volte antes da meia-noite do dia 31 de dezembro deste 2018 a dizer qualquer coisa perto do fim.
Sensação esquisita essa de que
as coisas acabem, às vezes silenciosamente, como diz o Paulo Mendes Campos,
às vezes num cansaço de peleja perdida após muita aflição diante da qual só resta
suspirar.
Me sinto agora sem jeito de
escrever. Como se tivesse extraviado uma gramática, uma dicção, ou fosse a uma
festa com a roupa trocada. Indo de um canto a outro sem os meios
necessários à travessia.
Viajei mais nos últimos quatro
meses do que nos 30 anos anteriores. Era necessidade. Queria impor-me o
deslocamento, forçar uma privação e aprender qualquer coisa que pudesse com
quem fosse encontrando pelo caminho.
É isso que talvez tenha ficado
deste finalzinho de temporada. Quando tudo o mais falhar, ande sem
pressa. Feito se caminhasse pela casa a experimentar pela primeira vez
como se vai de um lugar para outro apenas com o próprio corpo. Porque foi isso
que sobrou.
O corpo mastigado pelas horas, devolvido pelas águas, salgado para o futuro.
O corpo mastigado pelas horas, devolvido pelas águas, salgado para o futuro.
É lição das mais simples. Tende
a funcionar, mas nada é garantido.
Esse é outro aprendizado. Por
mais que a gente deseje, há uma energia incontrolável que se governa por
vontade própria. No mais das vezes, convive-se bem com ela. Mas pode acontecer
de tudo explodir como represa que cede ante pressão extrema.
No mar há um instante em que
nenhum vento sopra, nenhuma onda quebra, nenhum mergulho se ouve. É essa a paisagem que vejo daqui.
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