As mãos doídas, começo
escrevendo certo de que colocar-se em movimento é melhor que estar parado.
Disso não tenho tanta certeza,
digo a P, que me pede que a ajude numa tarefa difícil para a qual não tenho tempo
nem energia.
A tarefa consiste em encontrar
a solução para uma equação que P julga ter inventado entre uma aula e outra da disciplina
de matemática na qual se matriculou mais por graça que por necessidade.
Eu lhe ofereço um livro, mas ela
prefere esses números. Responde que as letras são um labirinto e que, se aceitar
entrar, pode não sair mais.
Eu a convido então a visitar
brevemente cada uma deixando atrás de si um rastro como as migalhas de pão
esquecidas na floresta.
Gosto dos números, ela repete, admiro
a beleza quando se encaixam, algarismos dissonantes soando como notas musicais estranhamente
harmônicas.
Tão diferentes de palavras e letras, mais abismais, mais descosidas
e maleáveis, números guardam uma ideia de firmeza que talvez até soe falsa, mas
que, em princípio, produzem um sentimento de conforto.
Vejam, estão ali os números e é
neles que precisamos nos concentrar, e não em sentidos ocultos por trás de
palavras que não conhecemos, ela disserta, douta.
P revira a página e mostra, na
verdade exibe o desenho que se formara. É como a linguagem de
um extraterrestre, alguém cujo alfabeto não fosse conhecido.
Lembro de um filme. Nele uma
cientista tenta estabelecer contato com essas criaturas que ela chama de
heptapodas, bichos com sete pernas cujas mãos – acho que eram mãos – lançam no
ar círculos gasosos.
São como uma equação
serpenteando de borda a borda envolvendo muitas variáveis.
Eis a beleza, afirma P, eis a
beleza.
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