Nomeio o arquivo. Em seguida
começo a escrever. Amar é passar a chamar o impalpável pelo nome. Antes não o
conhecíamos, agora é familiar, um rosto, um cheiro, uma certa topografia afetiva,
o estranho progressivamente tornando-se mais e mais perto, o longínquo criando
braços nesta outra margem.
O arquivo é despretensioso. Chama-se
“contos”, e nele vou juntando textos escritos nos últimos cinco ou seis ou dez
anos, no caso de alguns mais antigos que remontam a outra vida.
A maior parte, no entanto, é
composta por material recente, dois anos, no máximo. Tenho dificuldade de ir
mais longe, então me apego a esse agora escapadiço que tento reter a um custo
alto.
O custo é ir cavando mais fundo
enquanto escrevo, varejando feito mosca um prato de comida ou um bicho solto no
pasto. Cavar como minerar. É com isto que escrever se parece em muitos momentos,
mediante ferramentas cegas e inadequadas, ir batendo e lascando o metal contra
pedras afiadas à procura sabe-se lá de quê, sem qualquer garantia de encontrar.
Queria algo como o livro de Turguêniev,
histórias de aventuras, tardes cruzando planícies, noites gastas em alguma
choupana, um estranho com quem se esbarra na aldeia. Ou o de Knausgard, o banal
subitamente transcendente, uma punheta elevada à categoria de arte.
Mas o que tenho é o banal mesmo,
sem fetiches nem lustre de qualquer tipo. Apenas o cotidiano opaco
transcorrendo num dia morno. Relatos episódicos e impressionistas anotados como
borrões ou pinceladas de criança.
Registro uma frase: a testa
vincada, por exemplo. É o princípio de algo, numa testa assim posso imaginar
que se concentrem preocupações e expectativas, que é possível antever toda uma
sorte de pequenas derrotas e modestos sucessos.
Vincos longitudinais como pistas de um aeroporto vazio.
Vincos longitudinais como pistas de um aeroporto vazio.
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