A casca grossa do baobá,
impenetrável como carapaça de bicho antediluviano encontrado náufrago na areia
da praia.
Era domingo. Passeava pela
cidade, visitava marcos históricos da fundação da metrópole. Um farol, uma
estátua, uma praça. Procurava entender a raiz, como começara e como terminaria.
Fora parar ali andando, ao lado
da árvore gigantesca cuja copa encobria outras copas.
O corpo riscado como o dela, tatuado às
dezenas e centenas, nomes inscritos de adolescentes apaixonados, corações
feitos com corretivos, balões registrando aniversários, um sem número de datas. Declarações de amor.
O tronco largo, de quantos braços
precisaria para envolvê-lo, quantos corpos bastariam para alcançar a largueza
daquela árvore?
Lembrou então de sua pele
rugosa, o trato severo dos produtos baratos que usava para se banhar, lavar o
rosto, as partes. Nele não havia diligência nenhuma.
Cravos e espinhas o cobriam como escaras do
baobá doente que, no entanto, preservava uma vitalidade ancestral.
Chega mais perto. Sozinha no
parque, à exceção de um vigia que finge varrer as folhas secas instaladas no vão
entre duas placas de cimento a seus pés. Dez metros adiante, um homem dorme no
banco de madeira. Ninguém mais.
Encosta as pontas dos dedos, a sensação de que
alisava o corpo adormecido desse monstro marinho cuja respiração era
compassada, quase imperceptível.
Demora-se no gesto. Leva a
outra mão, agora como se rezasse num muro de lamentações, os braços flexionados
e o rosto a centímetros do tronco.
É então que sente o cheiro.
Terra salgada, vento, maresia, o perfume das putas recém-banhadas descendo pela rua que vai até a igreja e da igreja até outra praça, onde se
encontram e acenam para os homens perdidos no domingo.
O cheiro adocicado do perfume
do corpo imiscui-se ao odor terroso que se desprende da árvore antiga.
Ninguém a vê quando finalmente abraça. É ele,
o monstro, que sente agora entre os dedos e pernas, é ele que aspira levemente
os cabelos.
O vento mais forte farfalha a folhagem, alguns galhos tremem e rangem. O centro vazio da cidade, comércio
suspenso no feriado.
A pele da árvore não se move.
É rígida, e sua superfície acidentada talvez resista a mais uma temporada.
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