“Contenção e dissipação.”
Tinha anotado essas palavras num bloco antigo esquecido numa gaveta. Aspeadas, presumo que quisessem dizer mais do que de fato dizem. Uma ideia para um conto, quem sabe as linhas de força de uma história, as bases
para um personagem.
Vai saber.
Agora olho para elas como se
fossem uma contrassenha, o password
como os dos jogos de videogame que me permitiam viajar a fases mais adiantadas ou
ingressar em mundos cujo acesso de outro modo seria impossível.
Contenção – uma tarefa. Dissipação
– sobretudo um verbo. Missão e exercício.
Dois movimentos singulares num
ato performativo. Primeiro o mistério do acúmulo, a reunião de forças, a
energização. Depois jorro e fragmento. Tensão e jato. Sexo e ejaculação.
Pensando bem, há mesmo um
sentido de complementaridade entre elas. Como se, juntas, apontassem para um rito
procedimental.
Procedimento-padrão: contenção
seguida de dissipação, que antecede nova fase de contenção.
É uma anotação antiga, talvez
de 2011 ou mesmo antes. Conheço pela letra, mais legível naquela época, quando
escrevia à mão com frequência, do que hoje, que evito ao máximo rabiscar de
próprio punho e o traço degenerou numa caligrafia tortuosa que só a
custo ainda consigo entender.
Talvez por isso mesmo tenha
destacado as duas palavras. Soltas, sem contexto nem qualquer subsídio que
ajude a entender por que estão ali, desgarradas de outras frases, ocupando
sozinhas uma página em branco do bloco, tendo por companhia uma à outra.
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