Há dias escrevo sobre o pai.
Paro e releio. Agora mantenho distância, faço que não estive durante uma semana
espremendo trinta anos numas páginas, empurrando a vida folha adentro.
O pai não sabe, o pai nunca
sabe. Releio mais uma vez. Estou agoniado, pesco um trecho que me parece
excessivamente ruim, escrito numa língua que não sei qual é. Outro é muito
triste. Não quero escrever um livro triste, digo a mim mesmo. Mas talvez só
possa escrever algo assim.
Ontem falei com a filha no
telefone. Dois ou três minutos. Depois ela pediu pra desligar. Estava cansada de falar.
Chorei. Ela não sabe. O pai também não. Ninguém, na verdade, exceto a vida que faço caber num punhado de areia cuja métrica aprendi a chamar de caracteres. Choro ao telefone num cômodo escuro do trabalho, e o que se segue é um arrazoado sobre o pai.
Chorei. Ela não sabe. O pai também não. Ninguém, na verdade, exceto a vida que faço caber num punhado de areia cuja métrica aprendi a chamar de caracteres. Choro ao telefone num cômodo escuro do trabalho, e o que se segue é um arrazoado sobre o pai.
Então hoje desejei expurgar uns
milhares de caracteres novamente. Voltei ao livro do pai. Mas o livro do pai é
meu, e é um livro triste. O pai não é triste. E tristeza não é defeito, disse
a vó certa vez. Eu tinha uns poucos anos na época, 25 ou 27, não lembro
exatamente.
Nesse livro as histórias que
pretendo contar nunca são as histórias que conto de fato, mas apenas as
histórias que eu contaria se resolvesse contá-las em algum momento. Que é o que
estou fazendo agora. É um paradoxo "duraniano".
E então essas histórias, não
importa se as desejasse ou não, se convertem em outras. São estas últimas que
me surpreendem. Inesperadas. Chegam de onde achei que não viria nada.
É o que tenho aprendido
escrevendo nas últimas semanas. Que um livro, ainda que sobre uma árvore ou um
homem trancado num apartamento, é e não é um livro sobre o pai.
Porque qualquer livro que
escreva agora será sobre ele.
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