Digo isso, que invento L tanto
quanto ela me inventa, e de pronto me ponho a imaginar que durante todo esse
tempo estivemos, eu mais que ela, presos a um desenho que na verdade é
outro e mais outro. De modo que essas
folhas reunidas num bloco único de anotações, documentos que recontam uma história,
de repente esboroam e não são nada senão um amontoado de desimportâncias
acumuladas como rolhas de garrafas de vinho guardadas num recipiente.
O que essas rolhas contam? O que
dizem também livros numa estante e rastros de uma passagem estrangeira?
Vestígios, ruminações, pequenos
acidentes que danificaram estruturas, lacunas e ossadas encontradas no futuro
por pesquisadores que olham com desdém para toda a vida que já se extinguiu.
Coisas mínimas, detalhes,
miudezas de corpo e alma, um cabelo que segue ao pé da orelha, um sinal, um
jeito de tropeçar e outro de abrir portas, mais um de olhar o que se passa no
mais longe. E finalmente um modo particular de estar ausente.
É então que descubro que L não
fugiu, tampouco escondeu-se a medo de que a encontrassem num canto do salão de
festas. L apenas mudou de letra, errou de alfabeto.
L vaga entre consoantes e
vogais dia e noite, e se é dia prefere consoantes rascantes mas se é noite tem
predileção pelas mudas.
Um gosto que se sucede a outro
e mais outro, nada que não tenha sido previsto em alguma fórmula matemática.
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