Este é um teste desses que
fazemos pouco antes de dormir.
Checamos as fechaduras,
escovamos os dentes, lavamos os pés. Em seguida, ainda como a duvidar de certa
concretude das coisas, damos uma boa olhada no espelho a ver se tudo está no
lugar.
É então que descobrimos que
temos as sobrancelhas assimétricas, os olhos desalinhados e o lado esquerdo do
lábio superior um pouco repuxado, imperfeição evidente nessa foto na qual
sorrimos sem jeito nem razão.
Um teste é também o momento em
que, mal chegamos à casa, vasculhamos cada canto. E nos cantos deixamos um
pouco do que é pele e cabelos e pensamentos que fomos acumulando no curso do
dia como poeira nos bolsos.
Num teste por certo inventamos uma
contrassenha para a porta e outra para a janela e mais uma para a torneira da
pia. Pra arrematar, desistimos das mensagens mais antigas esquecidas em algum
dia remoto do mês de março numa conta de email que já nem usamos.
Um teste é uma linguagem que
passamos a adotar permanentemente porque todo o futuro é um passo de
cada vez.
Feito isso, o que pode
levar muito tempo, estamos prontos pra deitar.
Um teste é finalmente essas
cartas que recebemos de empresas cuja sede não existem mas que desejam saber se
nós passamos bem e se temos eventualmente interesse em fornecer informações
pessoais para que eles possam proceder a algum protocolo que não entendemos
qual é, mas do qual desconfiamos de pronto.
E desconfiados ficamos ainda
por alguns minutos. E não há nada que possamos fazer a respeito disso nem de
qualquer outra coisa.
Hoje é 25 de abril de 2018,
um dia ainda por vir no qual talvez responda emails-teste e quem sabe até me
anime a trocar uma lâmpada ou lavar os tênis velhos.
PS.: escrevo, e é como se
concordasse em fazer um experimento de enterrar no quintal uma urna de metal
imune à ferrugem e a todo o desgaste causado pelos elementos da natureza. Dentro
dela, segredos e cartas, coisas minhas já muito usadas mas das quais não
desapego. Tudo mantido a bons vinte metros de fundura.
Ao lado, uma placa com a
inscrição: é permitida a leitura apenas decorrido um ano do dia em que o autor
cavou de próprio punho este fosso e nele atirou a urna contendo suas memórias
mais valiosas.
Um ano então se passa. Eu abro.
E o que encontro? Quem vou encontrar?
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