Uma amiga conta que escreveu a
um amigo a quem não vê desde há muito. Uma dessas presenças que se mantêm
constantes à medida que o tempo passa e se fortalecem sobretudo porque o tempo
passa.
Conheço pouco dela, menos ainda
dele. Se chamo amiga é porque lhe tenho muito carinho. Talvez não saiba, mas o
mais provável é que saiba.
Então quando me disse que
cometera uma bobagem, logo me interessei. As bobagens são reveladoras, eu lhe
falo, dizem tanto de nós quanto as certezas e as opiniões. Não lhe apresentava
novidade. Disso também sabia.
E a bobagem era um bilhete em
modos de carta. Nada excepcional, mas exatamente por isso fora do comum. Não
quis saber de quem se tratava, o que lhe havia revelado.
Mas era conteúdo de urgência. Dessas coisas
que se põem pra fora quando o domingo caminha para as horas finais, no céu há
lusco-fusco e no dia seguinte as horas úteis recomeçam.
O que reclamava na carta? Não
sei. Mas urgências assim são acesas pela memória do corpo. Mensagens de domingo não
começam no domingo, vêm de muito antes. Remontam a um mês inteiro, a um ano, a
dois, a uma vida.
Também ignoro se o destinatário
a leu. E como a leu. Como terá reagido? O que terá respondido? A amiga
silencia. Vejo-a no próprio apartamento dando voltas no computador. Tudo ali confirma uma existência. Talvez queira fugir. Um extravio como solução mágica.
Finalmente admite que não deveria estar
ouvindo essas músicas, fantasiando certas coisas, liberando esses espaços num dia como hoje. É frágil todo arranjo, eu lhe digo. Ela pondera e concorda.
Não é caso de paixão. Paixão dá
e passa. Tampouco um amor de mansidão, feito pra deitar numa rede de varanda
nas tardes de sábado no aguardo de uma velhice de cafunés.
Pergunto se acredita num afeto que é só desassossego, que importuna perto e longe,
que marca braços e pernas. A amiga responde com uma
carinha sorrindo na caixa do bate-bapo.
Eu entendo. Ela entende. Estamos todos
assim, diz, e não sei se se refere a si, a si e ao amigo, ou se me inclui nesse plural tão vasto onde caberia com folga uma cidade.
Comentários