Acordei com a lembrança vaga de
um sonho que depois fui deixando de lado por causa de outra coisa.
Então veio a imagem da ressaca
do mar.
Curioso que chamemos o fenômeno
de ressaca, feito o mar bêbado ou exaurido de forças. Um mar já esgotado de
tudo que resolvesse devolver à terra o que não tivesse serventia.
Quando é justo o contrário. O mar
precipita, o mar arrebata, o mar avoluma e deita fora, o mar invade e ocupa. O mar pleno e não depauperado.
É quando apenas olhamos de
longe as ondas quebrarem. Um parapeito que se desmantela, um banco, uma placa de trânsito, as paredes de uma barraca, os tapumes da construção mal-servida de qualquer propósito. Mantida a distância segura, fotografamos o fenômeno.
A gente se avizinha do risco na esperança de que o abismo de água não olhe de volta e nos engula.
Porque não se repete dizemos que toda ordem de
coisas excepcionais é fenômeno. Luas mais cheias, ventos mais fortes, mares
encrespados, o solo que vaga um centímetro à esquerda ou à direita.
Ninguém se atreve a olhar o
fenômeno e entendê-lo como algo corriqueiro, circular, manso. Um jogo de forças que se medem no interior dos corpos.
Não é a ressaca que se abate
sobre o corpo após a bebedeira, sinal de debilidade, horas e horas de nada
fazer exceto esperar que tudo se recupere. De
ressaca somos pouco mais que objetos paralisados, bichos entretidos com as próprias limitações orgânicas. Diferente com o mar, que se põe
de pé e ergue a voz a seu modo.
É a essa sobrelevação que damos o nome falso de
ressaca. É pra ela que olhamos numa manhã e pensamos que até ontem estávamos mergulhados ali.
Comentários