Antes de que nos falássemos,
porém, houve esse momento em que L meio bêbada quis fazer acreditar que estava
muito triste por causa de algo que não queria dizer. Mas L não se entristece de
fato, é uma mulher muito forte e segura que ri e macera toda a matéria com as
mãos e os pés.
Eu lhe disse isso, usei a
imagem certo de acharia bonita. Afinal concordamos em que os pés e as mãos, as
extremidades do corpo, desempenham papel fundamental na felicidade. Sofremos sempre
e nos alegramos, e toda alegria e agonia começam pelos pés, começam pelas mãos.
Então lembramos brevemente de
um episódio e depois de outro nos quais confirmávamos a valência dessa verdade
segundo a qual há nas pontas de cada um modo de decifrar o futuro, nas mãos
carregamos mais certezas que dúvidas, nos pés conduzimos mais acasos que rotas.
Não surpreende que leiam as palmas à procura de significados, que
dedilhem as linhas e nessas linhas adivinhem sentidos que permanecem ocultos.
Palmas e plantas, ela responde,
e o silêncio que se segue é bastante para preencher um ano inteiro.
Essa tristeza é fingimento,
falei de repente a L, que não se abalou. Fingir é parte do
sentimento, devolveu, numa dessas boutades que costuma atirar quando está de
bom humor e ninguém é capaz de convencê-la a não abrir aquela porta.
No fundo, porém, sabia eu e sabia
ela que nada que fizéssemos mudaria um só centímetro do que iria acontecer. A
morte ilumina como farol. A vida é esse pavimento sobre o qual deslizamos de barriga.
Como uma brincadeira de criança que apoia os pés contra a parede de casa e toma
impulso até chegar ao outro lado. A gente se gasta para chegar ao outro lado,
mas chega.
Pergunto então a L se voltou a correr, se tem tomado sol, se costuma olhar a janela e na janela o fundo do tempo e no mais longe que a vista possa alcançar uma saída para tudo.
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