Conheci R há poucos dias. Ela me mostrou uma
foto na qual a mãe lê o jornal com o corpo inclinado, voltado pra
frente, segurando uma lupa com que aproximava a vista das letras. O papel cede diante dos olhos, dobrado. É uma imagem bonita pela qual sempre agradecerei.
Pensei na minha própria
velhice. Onde estarei, como, com quem. Se vivo ou morto. Se consciente ou falho,
se ainda disposto e mesmo interessado no mundo, se muito amargo ou apenas um
pouco.
R disse que a mãe se prende ao agora, que
acompanhar o noticiário é seu modo de não esquecer, e nisso também há tanta
beleza. Um fio que se estende ao instante. Ela, que mora de frente ao mar e
acorda todos os dias para uma imensidão aquosa, escolhe o jornal por janela, o
presente como paisagem, o cotidiano como escapismo.
Isso também me fez pensar em mim. Precisamente,
no quanto há de fuga quando imaginamos mergulhar na realidade, quando supomos
que escolher as horas do dia e cumprir certos ritos e tarefas é aceitar a
concretude das coisas.
O presente tão volátil. Não podia imaginar que um jornal servisse ao abandono e ao exílio de si quando as lembranças fracassam e tudo que somos é esse instante contínuo.
O presente tão volátil. Não podia imaginar que um jornal servisse ao abandono e ao exílio de si quando as lembranças fracassam e tudo que somos é esse instante contínuo.
Por isso agradecerei novamente a R. Por me fazer ver que, mesmo no intenso agora, há muitas gradações e nas gradações outras tantas. E que não é preciso tanto pra enxergar.
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