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As horas

Parei e reli tudo.

Considerei lixo uma parte e regular a outra. Não sei como continuar, mas pelo menos não saber indica que talvez esteja no caminho certo, que é qualquer um menos o que estava tomando.

Tenho ido à faculdade, e dizer que vou dá a exata noção do descompromisso e até de certa preguiça em frequentar os cursos deste segundo semestre. Ir: encaminhar-se a algum destino sem a necessidade de se demorar nele ou de se deixar tocar. 

Preguiça, preguiça mesmo. Pensado pouco, lido menos ainda. Um torpor físico, um enguiço mental, a parte mais criativa do dia tem sido sonhar. Nos sonhos elaboro os impasses e resolvo problemas que não tenho conseguido resolver acordado. Nos sonhos sou produtivo, trabalho a noite inteira, acordo e me sinto outro. Renovado, pronto pra batalha do dia. Mas, tão logo começa, vou esmorecendo. Uma áurea oblomoviana recobre tudo, uma sensação macunaímica. 

Escrevo de noite, e à noite sou péssimo. Cansaço, um peso nas mãos, como se as 24 horas fossem muitas, excessivas. As pessoas reclamam de falta de tempo, eu acho que temos muito tempo. Muita vida, de modo que desperdiçamos das mais variadas maneiras. Discussões, horas no Facebook, comentários, livros ruins, compromissos, trabalhos infelizes, amores risíveis etc.  

A vida tinha de ser reduzida a um terço do que é. Seria vivida plenamente, sem esses vazios. Puro gozo do início ao fim.

Mas perderíamos essa parte boa que é chegar ao final, estar sentado numa cadeira e apenas olhar pra trás. Enxergar o passado, revivê-lo, saudá-lo como coisa passada de fato. E depois esperare que hora chegue.

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