Evitei essa conversa com H
por muito tempo, seja por que razão for. Mas agora foi difícil escapar, estávamos
ambos ali, no mesmo quarto, H com ar cansado e eu disposto a ouvir o que
estivesse a fim de dizer porque já não podia correr, eu também farto desse
jogo de gato e rato.
H, essa letra muda, começou
num tom autodepreciativo que não me comoveu nem um pouco. Em seguida desfiou o
rosário conhecido de sempre: dores, exaustão, agora dera pra sentir também os
ombros e os joelhos, não sabia se somatizava tudo ou se era a idade se impondo
com seu cortejo de pequenas falências físicas. Fosse o que fosse, acentuava
essa sensação de que atravessava um deserto munido apenas de caneta e papel.
De todo modo é bom cuidar
disso, respondi tentando soar o mais empático possível, já que as agonias de H
eram também as minhas, suas aflições, dúvidas e vacilações tão próximas de tudo
que eu mesmo sentia. Mas, naquele momento, era importante que H entendesse o
peso de tudo. E ele entendia, talvez mais agora. Talvez esse mundo
desabando fosse o que de melhor havia ocorrido na vida de H nos últimos anos. A certeza de que perdia e nada que fizesse poderia mudar. Perdia, e
só.
As coisas são como são, arrisquei,
colocando em dúvida minhas próprias palavras, receando pronunciar algo que parecesse falso a mim mesmo, detestando a ideia de que eu não acreditava no que dizia mas insistia nisso porque precisava seguir em
frente e ajudar H a fazer o mesmo.
Algumas mudam por
insistência, outras por nada no mundo, disse finalmente, revestindo tudo desse
caráter dúbio que por vezes é a marca do que falo e escrevo no mais das vezes.
Eu só tinha platitudes, mas H já estava fora naquela altura. Evadira-se e agora só deus sabe por
onde andava, perdido entre mil pensamentos, talvez na praia fumando no
Mincharia, talvez na faculdade atravessando o bosque, talvez num lugar que
fosse também um lugar sem memória, destituído de tudo, um lugar despovoado de
sentimento, árido para o que quer que fosse, um lugar que funcionasse como
descanso.
Um lugar ainda por existir.
Um lugar ainda por existir.
Por que não se exercita?, disse
brincando, afinal eu sabia que H andava de bicicleta todos os dias, bastava
olhar a pele queimada agora muito mais que antes. Também perdera peso, uns
cinco quilos. Mais magro e moreno. Cada vez mais parecido com o pai.
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