Mas existir não bastava, e tudo que havia dito até ali sofria de um mesmo mal: eram palavras
excessivamente alegóricas, tudo metáfora, nada que dissesse do sentimento o que
pudesse haver de raiz, nenhum mineral, nenhum amor como a pedra que afunda,
apenas perfumaria e esse jogo impetuoso de expressões com duplo ou triplo
sentido, palavras empilhadas que ruíam ao menor tremor de mãos.
H escutava e escutava. Depois
franziu a testa, olhou pra longe e chorou. Talvez até um
choro falso, pensei com alguma crueldade. Apenas a lágrima que é mais
uma lembrança da glândula, uma reação do músculo, o corpo que se rebela contra
o automatismo. Não o ataque, mas a simulação, não o golpe, mas o prenúncio do
golpe e da dor que se seguiria.
Então H chorava para que não
precisasse chorar depois, numa economia de gesto e afeto que explicava muita
coisa. E mesmo que não concordasse, ainda que calasse sobre a imprecisão de
tudo que falava e a insuficiência das coisas escritas, mesmo as que aparentavam
toda a força e convenciam por qualquer razão. Mesmo em silêncio eu sabia que H
ruminava tudo, do começo ao fim, e sabia que entendia. Mais que entender, eu sabia que procurava se cercar do significado do que estava alcançando e viver
essa descoberta.
Esse lugar de descanso não
existe, H, esse lugar está além, não é pra você, tampouco pra mim, essa selva
selvagem é agora.
H riu, não era uma letra muda, agora ria. Não deixava de surpreender que ainda fosse capaz de rir.
Falamos ainda por poucos
minutos, H revirando a dobra da camisa desabotoada até o peito liso, nada de
pelos, apenas brancura e pele, as pernas cruzadas, os pés descalços e o cabelo
assanhado, os braços escuros, a boca fina formando o arco que é seu modo de dizer que concordava com tudo que eu tinha dito, ainda que não fosse levar nada em consideração.
Depois se levantou e foi até
a porta do banheiro. Lá, recortado contra a luz, acendeu um cigarro, soprando pequenas
nuvens de fumaça para longe, para a janela, novamente fora do quadro no qual eu
tentava fixá-lo. Mais uma vez essa presença fugidia que forçava limites.
H, eu falei. Volte pra cá.
Ele continuou em pé. Perguntou finalmente: ainda não terminamos essa conversa?
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