J voltou finalmente de
viagem, trouxe um livro e me entregou. Um presente, falou. É um livro seu,
assinado por ele, com data e letra caprichosa no canto superior.
Penso em minha própria letra
cursiva, hoje desfigurada, uma confusão de traços que tenho dificuldade de
desatar quando preciso ler anotações que fiz durante a aula ou no meio da rua,
para o trabalho.
Sou jornalista, vivo de
escrever e, por enquanto, não temos à disposição o expediente de registrar tudo
maquinalmente. Ainda precisamos das mãos e dos blocos de papéis. Não há charme
nenhum nisso, eu mesmo cuidaria em largar tudo e apenas ouvir, estar inteiramente concentrado no que o outro me diz, não
escrever mas escutar o que me contam. E depois voltar pra casa repleto de
histórias que guardaria pra mim.
Sem essa intromissão da
letra, da minha própria grafia misturando-se ao que é alheio. Por isso não
escrevo mais o nome nos livros que compro ou ganho. Se ponho as letras lá, então é meu e o que sou
atravessa as páginas, fica marcado como cicatriz no rosto, dessas que caem como uma vírgula sobre o olho.
No fundo, porém, queria era
entender o que faço, o que escrevo, andar os cadernos com as pontas dos dedos e
enxergar ali uma geografia legível, ter um conforto pros olhos como é a letra
de J, que, mesmo masculina, tem esse encanto de esmero inusual.
Queria mesmo era adivinhar o que vai por baixo do que não entendo, ler as cartas como quem lê as mãos, correr a
solto e tatear e de repente surpreender um significado na palavra-enigma.
Queria o erotismo de grafar a fogo, de não perder, de guardar o sentido e, como uma preciosidade, olhar pra ele todo dia pela manhã de frente pra janela e aspirar tranquilo esse imenso descompasso.
Queria o erotismo de grafar a fogo, de não perder, de guardar o sentido e, como uma preciosidade, olhar pra ele todo dia pela manhã de frente pra janela e aspirar tranquilo esse imenso descompasso.
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