Uma pane no computador
colocou tudo a perder, fora todo o escrito, duas páginas de lamentações
atiradas diretamente a algum canto escuro de uma máquina cuja finalidade é
gravar e manter a salvo o que pensamos e dizemos.
Não esta, esta cuidou em dissolver,
um engenho feito para extraviar e não reter. Uma sensibilidade para soluções drásticas,
exatamente como essas que evitamos na vida porque temos a certeza de que o
tempo se encarrega do pior.
Ela, no entanto, perdeu. Como se tivesse
consciência do risco e da dor.
Tratou de resolver o problema de fazer desaparecer oito mil caracteres num passe de
mágica. Numa hora, palavras emaranhadas a sentimentos, um nó insolúvel que ganha
forma à medida que é dito. Uma forma sem forma.
E, no instante seguinte, a
tela azul, números e letras se alternando sob o regime nervoso de alguma ordem
caótica, uma cor espectral que remete aos primórdios da informática abrindo-se como um portal diante dos olhos. No centro da tela, o reflexo do rosto agora sem expressão. Nem espanto nem agonia. Uma tristeza funda, ainda lodo, na qual chapinha, tentando o equilíbrio difícil.
Exatamente como foram os meses derradeiros, uma barafunda de sentimentos em rodamoinho, tudo embalado em fantasmagoria, até finalmente colidirem com esse
muro invisível.
Até restar apenas insulto,
melancolia, uma frágil exposição da dor, a acusação despejada com a facilidade
de um abraço, a veleidade, o gesto radical caindo da boca, a palavra áspera
soltando-se como carne do osso.
Foi essa a narrativa que
desapareceu. Essa a história que caiu no esquecimento. Esse o arquivo que o
computador achou por bem amassar e jogar fora.
E agora lamenta que ele mesmo não tenha sido capaz dessa barbaridade.
E agora lamenta que ele mesmo não tenha sido capaz dessa barbaridade.
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