Começo pelo fim: L termina
sua última carta perguntando. É uma pergunta simples mas incisiva: é isto um
impasse?
Não sei o que responder, L
jamais havia falado tão claramente nesses termos, sempre intuí que imaginasse
uma saída pra tudo, que tivesse respostas. Mas estava enganado, e não temos
nada agora a dizer. Sim, é um impasse.
E fico a pensar na natureza resoluta
das coisas que não se resolvem, uma dureza diante do maleável da existência,
mesmo tempo e espaço dobráveis e, no entanto, há toda uma família de afetos e
eventos cuja matéria é feita precisamente disto: impasse.
L tem razão, estamos em
encruzilhada. E o que se faz quando assumimos essa postura de não sabermos o
passo seguinte, de pararmos e tentarmos adivinhar o que virá pela frente, de
irmos adiante mais por intuição que por vontade?
Era um impasse, e tampouco o
reconhecimento da falta de resposta era uma resposta, o vazio acentuava o
vazio, o silêncio multiplicava o silêncio e assim por diante.
Formulei algumas hipóteses,
descartei todas por imprestáveis, quis retomar o problema inicial da revisão de
uma vida que bambeia a meio caminho, ou seja, bem ali aos 35 anos, quando as
falhas se evidenciam e nos perguntamos se somos isto ou aquilo com mais
frequência do que o normal.
Mas vi que mesmo a questão
que dera origem a nossa derradeira troca de cartas tinha sido apenas pretexto. Não
havia mais nada que dizer, ela era mistério, L não aceitava que fosse L, a
personagem, que lhe impusesse uma invenção, eu mesmo me tornara tão movediço quanto ela, ambos a voz fantasmagórica de terceiros.
Eu entendo tudo que se passa
com L porque tudo também se passa aqui. Mais ainda porque L sou eu, não à
maneira de Emma Bovary e Flaubert, mas de modo diverso, de modo que nem eu
entendo, apenas que L e eu podemos ser tomados ao mesmo tempo e tanto ela
quanto eu daremos respostas parecidas a questões diferentes.
Agora fujo do assunto, é
sábado e daqui a pouco saio para uma volta de bicicleta antes do trabalho. Vou
seguir pela rua de sempre, vencer os quarteirões de sempre, desviar dos carros
e, do alto da avenida, bem do alto, vou avistar o mar, a água verde e o céu
azul de Fortaleza, lá dentro barcos e braços se debatendo contra ondas calmas,
mais corpos boiando, um vento salgado, o sol quebrando mais leve que o da manhã.
Concordamos que o mar é nosso
batismo, aqui nada faz sentido sem a presença do mar para intermediar. Nenhum amor
se faz ou se desfaz senão por meio do mar.
Então, se há impasse, que o
mar o desfaça.
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