A filha entra e diz que o pai
merece umas palmadas.
O pai ri, mas depois volta a
se cobrir de fuligem. A filha brinca ali perto, na sala, invoca bruxas enquanto
o barulho de pratos e talheres aumenta na cozinha. É sábado, hora do almoço. Pela
janela enxerga telhados, a sensação de estar de costas pro mar, sentido
praia-sertão.
O pai folheia, avança, recua,
lê aos saltos, sem disciplina. Primeiro um artigo, depois um trecho de livro,
em seguida postagens no Twitter, das quais não guarda nenhuma, apenas o rosto
de Maysa na capa do livro.
O pai escreve tentando dizer
por que escreve e para quem escreve, mas sempre falha em dizer, falha em dizer
o que quer dizer, e falha novamente na tentativa de se preparar para dizer o
que vai dizer.
Como Marguerite Duras.
A filha entra novamente no quarto e anuncia que
vai cortar o caderno e que precisa de tesoura, o pai diz: pergunte pra mamãe. O
pai quase nunca diz peça pra mamãe, ele mesmo se encarrega de buscar o que quer
que ela queira, mal a menina pede e ele se ergue da cadeira e alcança.
A filha circula, remexe
livros e apanha um da estante.
É um livro de poemas de uma
autora polonesa. É potente, pesado, duro feito os últimos dias, próprio para a
fuligem do sábado. A filha entrega o livro ao pai como uma oferenda, que a
recebe um pouco trêmulo.
Aquele livro.
Segura mais um pouco.
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