É assim que me salvo, digo a
mim mesmo. Assim que deixo pra trás, que recolho o que ainda há, que volto do
mergulho e saio pela praia chutando pedra, que tenho os pés na areia quente mas
continuo, assim que procuro dunas móveis, que identifico e misturo o corpo a
uma geografia indistinta, assim que sento por horas à sombra e conto conchas e
classifico cada uma segundo cor e ranhuras e características dos sons que
carregam dentro de si, é desse modo tortuoso mas próprio que digo a mim mesmo
que cada mergulho é diferente do anterior e que nenhum se repete, é assim que
rezo e falo você logo estará pronto para outro, logo quererá novamente estar
sob a linha da água como se prendesse a respiração antes de vir à tona, você
vai querer queimar a pele novamente e correr até o mar, vai desejar o sorvete,
que terá o mesmo sabor, vai andar pela calçada e olhar o trenzinho da alegria e
vai rir e se imaginar dando uma volta ao som de funk porque nenhuma outra
música faz sentido, você vai se convencer de que pode, de que tem forças
suficientes, de que o amor é uma coisa boa, de que o bando de pardais que canta
sempre ao fim da tarde canta noutras horas do dia, vai também dizer a si mesmo
que maravilha é poder estar aqui no final da tarde onde antes só havia
essa dor e uma agonia de tirar o fôlego,
vai percorrer a praia feliz e mais uma vez à procura de sabe-se deus o quê, vai
parar pra assistir a um jogo de vôlei e depois montar na bicicleta e olhar o
bronzeado de camiseta deixando marcas fundas, vai atravessar e quem sabe ainda
evitar olhar uma outra parte daquele pedaço da cidade, mas o fato é que tudo
estará esmaecido, as cores morrendo, a memória consumindo-se como fogo, os dias
passados cedendo vez aos dias futuros.
Você dirá tudo isso a si mesmo antes de meia-noite, antes da próxima cerveja, antes que alguém se aproxime e pergunte se você tem um cigarro.
Você dirá tudo isso a si mesmo antes de meia-noite, antes da próxima cerveja, antes que alguém se aproxime e pergunte se você tem um cigarro.
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