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Fora dos trilhos

Mesmo esse recuo, porém, é limitado, andamos e procuramos e não encontramos, seja porque não está lá, seja porque nunca esteve. Não adianta nada, então, que pergunte sobre meu avô, como eram suas maneiras, de que lado da cama dormia, se se sentia triste num domingo de manhã ou na tarde de sábado ou prestes a fazer qualquer coisa que tinha por obrigação fazer.

Essa prospecção é inútil, tendo a achar, não leva ninguém a lugar nenhum. Juntamos cacos numa baciada e depois fazemos como os mineradores que separam mercúrio do que tem valia. Mas tudo e nada tem valia, tudo se mistura nesse mergulho da memória.

Tenho pouco de mim nos outros da família e menos ainda quando pergunto. O pai mesmo é um mistério, nunca sei se está feliz ou triste e mais que isso seria intrometer-me num campo que talvez me traga sofrimento, por isso jamais experimentamos esse tipo de conversa franca em torno da qual os membros de uma família constroem seus laços mais firmes.

Conosco as coisas são de uma frouxidão jamais vista, correm sobre trilhos que levam a qualquer lugar. A única exceção é quando brigamos, e aí dizemos uns aos outros as palavras mais abomináveis, fazemos jorrar um mundo represado de sentimentos e deixamos que tudo flua em catarse para, horas depois, voltar a sua aparente calmaria. 

Somos feitos todos dessa mesma matéria explosiva que se inflama facilmente em contato com outra de igual composição. Daí procurarmos o contrário, a suavidade e a ordem, a disciplina e a segurança. Invejamos os nexos que unem as pessoas, normalmente as que não conhecemos. E estamos sempre à procura desse ideal de linearidade.

Mas isso que faço agora é novamente tentar encontrar no passado razões para esse presente colado no corpo do qual nos desgarramos só a muito custo, e às vezes nem assim. Estou longe de mim agora, tão longe que me vejo solto no ar tateando objetos na sala de casa, certo de que se procurar mais um pouco talvez acabe encontrando. 

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