O homem entra na casa e
pergunta se o fio HDMI é meu, se veio com o aparelho ou já estava aqui. Se tivesse
vindo, teria de levar agora.
Eu digo que não lembro,
talvez já estivesse aí, mas é provável que não. Gosto de sentir que posso estar
trapaceando, mas não uma trapaça de modo cabal, algo de que possa me arrepender
depois. Uma pequena trapaça encoberta pela memória falha, da qual desconfio,
apenas.
Ele recolhe o aparelho,
desliga tudo em poucos segundos e senta no sofá sem pedir. Esparrama o corpo
grande, moreno, flácido. Veste calça e camisa da empresa, tem o ar cansado de
quem ainda precisa visitar uma dezena de domicílios naquele mesmo dia.
Pra ele minha casa é apenas
isso, mais uma visita.
Ele estende papéis, pede que
assine. Eu escrevo meu nome numa letra que é apenas esboço de outra, um traço
já apagado, longe do que era dez anos atrás.
O homem balança a cabeça em
agradecimento. Apanha a bolsa no chão e pede licença pra ir embora.
Licença pra ir embora. Não
havia dito nada ao chegar, mas se desculpou por estar saindo.
Deixou o fio solto sobre a
mesinha do centro. Ainda me perguntava se tinha vindo com o aparelho ou se já
estava ali.
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