Tenho a esperança vã, porém, de
que se procurar lá no fundo vou descobrir o que não quero porque isso diz
respeito ao que sou agora, este que escreve sobre as histórias que talvez ouça na rua.
Gente que não conheço, gente
passando, gente como as gentes da minha família, soltas e sozinhas, solitárias
ou acompanhadas, como o pai, a mãe, o irmão, a irmã.
Eu mesmo tenho olhado no
espelho e me perguntado o que diabos se reflete ali, um estranhamento que por
vezes confundo com crise etária, um abismo dos 40 anos que vai chegando, um
outro dos 30 que ficou pra trás, a vida que bate à porta e interroga se pode
entrar.
A sensação invariável de que
algo se perde e se ganha silenciosamente, quando damos tudo por encerrado, como
esse cliente atrasado que chega ao bar com as portas prestes a fechar.
Mas o reflexo é enganoso, não responde. É apenas imagem, e as coisas de verdade acontecem longe dali. Acontecem na rua e no quarto, as sínteses do mundo público e privado. Na rua tenho experimentado sofrimento, no quarto também, de maneira que a rotina não tem sido das mais fáceis.
Como encontrar respostas pra
isso? Lá atrás, nos passos do mascate que veio de fora pra ganhar a vida,
apostou tudo que tinha e perdeu, encontrou uma mulher com quem teve 14 filhos e
depois foi embora sem deixar rastro de sua passagem, sequer imagem para a qual
se pudesse olhar e dizer: aqui foi onde tudo começou?
Ou no futuro, aonde ainda não
cheguei porque me debato com o agora enquanto tento olhar pra mim mesmo e em
mim alhear-me, ou seja, olhar sem ser visto, olhar e flagrar talvez a pessoa
que posso me tornar e não o que me tornei?
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