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Objetos da casa

Um mês depois. O que há de novo? O que há de novidade?

Uma semana de molho adoecendo e levantando da cama horas depois do horário combinado comigo mesmo um pouco antes de dormir.

 Uma pilha de livros lidos pela metade e outros apenas as primeiras páginas, somente alguns concluídos, outros tantos aguardando o momento certo, que ninguém sabe qual será. Nem quando virá. Se virá.

Um mês depois. Uns filmes. Uma saída. A festa na beira da praia. Tinha um casal dançando. É sempre curioso ver duas pessoas dançando abraçadas.  

A falência de alguns objetos domésticos, pela ordem: acendedor, máquina de lavar, micro-ondas e videogame. A lâmpada do corredor.

Tv e geladeira ainda funcionando. Enquanto uns se entregam, outros resistem. A mesma lógica da vida também domina a dos seres inanimados. Uma hora, todas as luzes se acendem e se ouvem os bips com que nos acostumamos. Os mecanismos se entregam plenamente ao trabalho que fazem todo dia, e a gente passa a reger o hábito a partir dos apitos. É como o sino da igreja. Avisam que estamos chegando à metade do dia.  

No minuto seguinte, um guincho e nada mais. Escuro. Ligo e religo na tomada. Não funciona. Não há ninguém que explique por que os sistemas param de uma hora para outra, sem aviso prévio.

Um mês e tanto. Um livro que só consigo ir vencendo aos poucos. Uma incapacidade de olhar por mais de cinco minutos para o mesmo ponto fixo. Um cansaço acumulado de uma semana que parece infinita.

Mas hoje é junho e sexta e amanhã posso estar de pé nas primeiras horas do dia. 

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