Sentia esse formigamento como uma sensibilidade fora de tempo, atrasada, um acúmulo de outras épocas que só agora chegasse ao corpo, uma carta atrasada enviada por alguém que não via desde muito, uma pedra atirada que apenas hoje afundasse no lago, um aceno que havia permanecido suspenso enquanto ela se afastava, avançando pelos corredores e portas e janelas.
Era essa a
sensação esquisita de algo que vinha, sim, mas depois de tanta demora que já
não tinha sentido, perdera-se nos dias, entre sustos e outras reações do corpo,
entre feridas e lacerações de carne.
Achava que
fosse efeito do remédio que vinha tomando, pílulas para dormir, mas depois
lembrou que tinha interrompido a medicação e depois disso nada foi como antes.
Achava que
fosse o vento, mas fazia calor, e lá fora a copa das árvores não se movia.
Acreditou
que se tratava de presença extracorpórea, uma entidade ou categoria similar,
que não dominava esse vocabulário esotérico ou religioso. Um sopro de além
no dia a dia, um roçar de quem se estica do outro lado da existência na
tentativa de convencimento dos vivos.
Achava tanta
coisa. Nada que explicasse coisa alguma.