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Bruxaria na hora do almoço



Reler é ler novamente a mesma história sem ter certeza de que entendeu na primeira vez, tampouco na segunda ou terceira.

Foi assim que topei com esse trecho esquisito de algo conhecido, mas perdido no tempo, no lugar: um pedaço de qualquer coisa deixada em cima da mesa porque saímos às pressas e às pressas ninguém tem garantia de que levará de casa tudo de que precisa para a travessia do dia.

É apenas na esquina que a gente repara no esquecido, ficou no sofá, na mesa, em cima da geladeira, e então segue viagem e se enreda nos acontecimentos do dia. Até que lembra novamente de que esqueceu e falta cobra lá seu pouco tempo de agonia. Para depois voltar a esquecer.

E assim os objetos se desmaterializam e materializam diante da gente. Pequenas mágicas acontecidas de tanto esquecer e lembrar no curso das 24 horas de uma volta ao redor de si mesmo. 

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Crônica publicada no jornal O Povo em 25/4/2013  Embora não conheça estudos que confirmem, a multiusabilidade vem transformando os espaços e objetos e, com eles, as pessoas. Hoje bem mais que antes, lojas não são apenas lojas, mas lugares de experimentação – sai-se dos templos com a vaga certeza de que se adquiriu alguma verdade inacessível por meios ordinários. Nelas, o ato de comprar, que permanece sendo a viga-mestra de qualquer negócio, reveste-se de uma maquilagem que se destina não a falsear a transação pecuniária, mas a transcendê-la.  Antes de cumprir o seu destino (abrir uma lata de doces, serrar a madeira, desentortar um aro de bicicleta), os objetos exibem essa mesma áurea fabular de que são dotados apenas os seres fantásticos e as histórias contadas pela mãe na hora de dormir. Embalados, carregam promessas de multiplicidade, volúpia e consolo. Virginais em sua potência, soam plenos e resolutos, mas são apenas o que são: um abridor de latas, um serrote, uma chave-estrela. 

Conversar com fantasmas

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