Foi explicando e enquanto explicava
recorria a uma espécie de gráfico com altos e baixos, picos e depressões,
incrível a eficácia pedagógica dos desenhos, facilitam o que a gente custa a entender
lendo palavras, aqui está o problema, identificou apontando com uma varinha de
bambu.
Aqui, exatamente, o problema, e
continuou a exposição, agora mordendo também a ponta da tampa da caneta,
parecia nervoso, excitado, prestes a chegar a alguma descoberta incrível que se
chega depois de muitas semanas de cálculo preciso, incansável, uma maratona de
estudos e fórmulas que, se bem aplicadas, e estas parecem bem aplicadas por
ele, garantem o sucesso de uma empreitada genial como aquela.
Aqui, repetiu, mas de repente não estava mais tão seguro do quanto pretendia dizer. Parecia, sei lá, sonolento,
ou apavorado.
Sonolento, escolhi.
Aqui começa o problema, repare no
contorno, nessa membrana, perceba como foi se formando ao longo do tempo, cada
célula se juntando a outra para formar isso que você é hoje, um amontoado de
células que nem sempre colaboram entre si na tarefa vital de subsistir no
mundo.
Eu ri, ele riu, o cara tinha senso de
humor, estava perto de morrer mas isso ele tinha, um baita senso de humor. Fiquei
comovido.
Mas, em algum momento, as coisas, as
células, os fluidos, o arranjo orgânico foi degringolando.
Não sabia que tinha gente usando essa
palavra, degringolando, não a sério, e ele parecia sério depois de rir por
causa da besteira que falou sobre a falta de colaboração ou de entendimento
entre as células do corpo.
Todavia, isso não configura quadro de
doença, pelo contrário, vejo aqui indícios de saúde potente, uma respiração
cavalar apesar do cigarro e força na mandíbula, nos braços e pernas, queda de
cabelo normal para a idade, um pouco de sobrepeso, algum enfado espiritual,
certa descrença em que as coisas terminarão bem, mas algo também normal pra
quem nasceu ainda no governo Sarney.