E a terceira parte, como a terceira
parte de qualquer coisa, não encerra nem elucida, mas amplia a falta.
Na literatura e no cinema, a falta é
o leitmotiv. Está em tudo e em todo lugar. A falta empurra protagonistas para
outra geografia, para outro mundo, para outra dimensão, para outro corpo etc. A
falta de amor, natureza, amizade, dinheiro e sexo, a falta de braços, a falta
de dentes, a falta de pau e de buceta, a falta de cabelos, a falta de sentido e
a falta de falta.
A falta de falta é das piores:
olha-se ao redor, e nada está faltando. Está tudo no lugar: eu estou aqui, ela
ou ele está ali, a casa está arrumada e os lençóis, lavados, as passagens para
a viagem compradas e o cachorro banhado. As contas pagas e a pia, sequinha.
Pesco uma conversa de ouvido: tudo
que eu tenho é tão valioso e importante. E cita como exemplos a casa e o carro,
mas também casamento e filhos e a sensação de finalmente haver encontrado paz.
Segue-se uma breve discussão sobre
felicidade e conforto e como nunca estamos satisfeitos com nada. Eu, pelo
menos, nunca estive, diz uma delas. A outra faz um muxoxo com a boca. É a mais
cética do grupo, embora exercite o ceticismo mais como um fetiche do que
propriamente um princípio de vida. Não é isso, mas é assim mesmo, resmunga uma terceira.
Notas animálicas iii: tudo que tenho
é menos, nunca mais. Está abaixo, nunca acima. Atrás, nunca adiante. Está longe,
nunca perto.
Não saber/não conhecer é o que tenho
por hoje. Carinhosamente passo a mão nesse pedacinho de coisa sem nome. Demoro-me
assim, fazendo esse animalzinho eriçar os pelos das costas e ronronar no meu
ouvido. É tão delicado e terno e frágil. Como um desses filhotes que a gente
encontra na rua e depois se sente obrigado a mantê-lo aquecido e contente com a
casa sempre limpa e o calor do afeto sempre em dia.