Inflação de superlua e asteroides que vão passar raspando na terra no próximo fim de semana e excesso de eventos atípicos que se tornam corriqueiros de uma hora para outra sem aviso prévio nem explicação. Uma falta ampliada que salta e engole tudo. Opacidade.
Fiquei de responder e deixei pra lá. E
agora esqueci o que tinha ensaiado como resposta. De modo que tenho apenas as
palavras do dia, nada rebuscado nem refletido. Impressões de agora.
Dois caminhos se bifurcam e não se
encontram. Velocidades são assim mesmo: as pessoas se ultrapassam no tempo. Umas
correm mais que outras. Outras olham para os lados ou pra frente. Eu olho pros
pés e pra cima. Procuro ajuda no teto do bar onde agora peço mais uma cerveja.
Eu não deveria.
O deserto está florido. Cheio de um
rosa atapetado e ao fundo as montanhas numa coloração indefinida entre cinza e
verde claro. Lembro quando o deserto costumava ser árido e infértil.
Duas pessoas caminham na mesma
direção mas em sentidos opostos no centro da cidade. Ao se cruzarem, deixam para
trás uma nebulosa de cheiros. Noto: perfume, cigarro, sabonete e um bloqueador
solar fator 75. A incidência de raios tem sido maior nos últimos dias. Ela está
protegida. Ele, não.
Falamos sobre o lusco-fusco, essa hora
de transição entre o claro e escuro, o chiaroscuro, que, antes de ser um disco
ruim, era uma técnica de pintura que evidenciava formas escurecendo o entorno. Talvez
seja isso que acontece agora.
Você me mandou a foto do deserto
florido e eu não pude responder que achava aquilo tudo tão melancolicamente bonito.
É como se roubassem do deserto um predicado sem o qual ele não faria o menor
sentido agora que podia ser visto como um oásis.
Definindo o próprio ofício, um escritor
disse: é como escavar. Eu tento escavar mais fundo sempre e não alcanço nada,
apenas farelos e um pozinho fino que vai embora com o vento.
Das duas, uma: ou uso as ferramentas
erradas ou cavo no lugar errado. Ou ambas. Mas depois fico pensando que esse
mesmo escritor não deixa claro se escrever é escavar e encontrar qualquer coisa
que seja ou apenas escavar, o que pressupõe o risco sempre presente de não
deparar com absolutamente nada.