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Armas da infância



Todas essas charges são bonitas e comoventes, mas há um quê de impotência nisso tudo que azeda lá no fim. Quero gostar e me enternecer. Quero até chorar junto. É um modo de catarse coletiva. Serve mais aos vivos que aos mortos.

Esbarro na agonia de saber que não passa disto: um gostar e enternecer com prazo de validade curto. Uma indignação perecível. Dura até a semana que vem ou antes.

Fico pensando agora não na criança que morreu, mas nas que ficaram e no quanto elas ainda vão continuar à mercê da mesma tragédia, apesar de toda a dor e sentimentos de solidariedade que a morte de Aylan Kurdi causou no mundo inteiro.

Chorar a morte e se indignar. Indignar-se com a falta de indignação.

Hoje, quando cheguei em casa, minha filha dormia na mesma posição do garoto sírio encontrado morto numa praia turca: de barriga pra baixo, as perninhas inclinadas, o rosto enterrado no colchão do berço. Respirava devagar, as mãos estiradas e o peito subindo e descendo como um fole. Amanhã poderei ter minha filha nos braços acordada. Ela vai rir e puxar minha barba, como tem aprendido a fazer.

Não sei se todos se lembram da menina síria que se rendeu ao confundir uma máquina fotográfica com uma arma. A foto, também impactante, viralizou na internet em março deste ano. Ela não foi jogada do barco e morreu antes de entender que estava na guerra.

A rapidez com que uma tragédia substitui outra sem que nada mude causa vertigem.

As charges e desenhos tentam restituir a infância de Aylan, perdida junto com o corpo devolvido à praia como rejeito de uma guerra. Querem, de algum modo, recontar a história do menino. Inocentá-lo no traço e nas cores, salvá-lo do destino trágico. Como num filme.

Mas nem as cores suavizam a cena. Edulcorá-la não adianta. Nuvenzinhas de algodão e estrelas psicando no céu. É tarde para o menino.

É tarde pra gente também. 

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