A música certa no momento certo é uma
raridade, coisa como o cometa Halley. Vem a cada cinco ou cinquenta anos. É um evento
bissexto. Resultado do encontro de variáveis esquisitas, imprevisíveis, a música
certa é um acontecimento na vida de qualquer pessoa quando a vida de qualquer
pessoa está passando por um momento esquisito que requer explicações que
ninguém sabe dar. Exceto, é claro, a música. A certa.
Mas, por razões incertas, não se
chegou ainda a uma razão para que, num dado momento, sob condições X e Y de
temperatura e pressão, uma música qualquer se encaixe de tal forma à sua
(nossa) vida, dialogando com as vicissitudes daquele momento específico,
assombrosamente prevendo coisas que estão acontecendo agora e misteriosamente
predizendo um futuro que ainda não chegou.
Nem sempre a música certa é certa
porque acerta tudo que diz. Às vezes, é certa porque está no lugar certo e na
hora certa.
Vejam o caso da música errada, essa
música certa que esqueceu de acontecer. A música errada, mesmo no momento
certo, também causa estragos, mas bem menos do que a música certa no momento
certo. Isto porque a música certa tem a
capacidade de iluminar todo um cipoal de sentimentos antes enroscados, difíceis
de desatar, e colocar as dores mais agudas em perspectiva, colaborando para
alguma mudança, que pode ser por duas vias: a do sofrimento e a da alegria.
A música errada no momento certo
apenas acentua a sensação de que estamos no mato sem cachorro. A música certa
faz o contrário: sugere que há, sim, uma alternativa, ainda que ninguém saiba
ao certo qual, tampouco se está disponível para qualquer um.
Engana-se quem pensa que a música
certa conforta e a errada incomode. Pode calhar de ser o
contrário.
Conforto e incômodo, na música, no
esporte e na vida, são afetos cujos sinais, positivos ou negativos, não podem
ser interpretados ao pé da letra.
O afeto negativo pode ser positivo e
o positivo, negativo.