Pular para o conteúdo principal

Somos todos o quê?



Vale a pena ler isto.

O Sérgio Rodrigues linca um texto do Bressane sobre a mesma polêmica da literatura feminina – não confundir com feminista.

 A Simone Campos também abordou o assunto num artigo publicado no "Zero Hora".  

A celeuma nasceu por causa desta entrevista e foi alimentada em seguida no Facebook e Twitter, com socos e pontapés de parte a parte.  

Nem concordo com o final algo edificante do texto do Sérgio. Diz ele: ao cabo de tudo, “somos todos anões albinos estrábicos nascidos em Arapiraca” e, sendo assim, é melhor falarmos de humanos para humanos.

A literatura, mesmo com toda a liberdade, não me permite assumir o lugar do outro, embora não seja disso que trate o debate. Ocupar o lugar do outro é uma impossibilidade em qualquer arte, o que não impede de tentar alcançar ao máximo esse espaço - não pra ocupá-lo, mas pra experimentar outra perspectiva, seja com que propósito for. 

Logo, pra mim, o “somos todos”, em qualquer circunstância, é pouco mais do que um slogan bonito.

Essa limitação, longe de constranger a literatura, a liberta. Ou quer mais liberdade que escrever sob qualquer ponto de vista, seja o do sexo oposto, de um orc ou o de um cachorro?

Quer dizer, APENAS anões albinos estrábicos nascidos em Arapiraca seriam capazes de expressar literariamente as agonias de um anão albino estrábico nascido em Arapiraca? Acho que não. Mas anões continuam anões. Como tais, sabem melhor que ninguém o que é ser um anão.

No entanto, estamos falando de literatura. E, nesse caso, qualquer um, tenha o nome que tiver, enfrentará as mesmas dificuldades para transpor ao campo da linguagem uma experiência, pessoal ou não. 

A perspectiva feminina é tão específica a ponto de apenas as mulheres serem capazes de comunicá-la em forma de literatura? Reformulando: qualquer ponto de vista - mulher, homem, anão, negro, gay - é, desde já, um espaço vedado ao outro como possibilidade? 

Tendo a acreditar que não. 

Postagens mais visitadas deste blog

Museu da selfie

Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por

Cansaço novo

Há entre nós um cansaço novo, presente na paisagem mental e cultural remodelada e na aparente renovação de estruturas de mando. Tal como o fenômeno da violência, sempre refém desse atavismo e que toma de empréstimo a alcunha de antigamente, esse cansaço se dá pela falsa noção da coisa estudadamente ilustrada, remoçada, mas cuja natureza é a mesma de sempre. Não sei se sou claro ou se dou voltas em torno do assunto, adotando como de praxe esse vezo que obscurece mais que elucida. Mas é que tenho certo desapreço a essas coisas ditas de maneira muito grosseira, objetivas, que acabam por ferir as suscetibilidades. E elas são tantas e tão expostas, redes delicadas de gostos e desgostos que se enraízam feito juazeiro, enlaçando protegidos e protetores num quintal tão miúdo quanto o nosso, esse Siará Grande onde Iracema se banhava em Ipu de manhã e se refestelava na limpidez da lagoa de Messejana à tarde. Num salto o território da província percorrido, a pequenez de suas dimensões varridas

Conversar com fantasmas

  O álbum da família é não apenas fracassado, mas insincero e repleto de segredos. Sua falha é escondê-los mal, à vista de quem quer que se dê ao trabalho de passar os olhos por suas páginas. Nelas não há transparência nem ajustamento, mas opacidade e dissimetria, desajuste e desconcerto. Como passaporte, é um documento que não leva a qualquer lugar, servindo unicamente como esse bilhete por meio do qual tento convocar fantasmas. É, digamos, um álbum de orações para mortos – no qual os mortos e peças faltantes nos olham mais do que nós os olhamos. A quem tento chamar a falar por meio de brechas entre imagens de uma vida passada? Trata-se de um conjunto de pouco mais de 30 fotografias, algumas francamente deterioradas, descubro ao folheá-lo depois de muito tempo. Não há ordem aparente além da cronológica, impondo-se a linearidade mais vulgar, com algumas exceções – fotos que deveriam estar em uma página aparecem duas páginas depois e vice-versa, como se já não nos déssemos ao trabalho d