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Cunha rompe com Dilma



Peço licença pra falar de política.

A crer na reportagem de “Época”, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) oficializa nesta sexta-feira o que já vinha praticando desde o início do ano: adotará de vez o discurso de oposição ao governo Dilma. Que o deputado se comportava como adversário do governo, nisso não há qualquer novidade. A notícia é que, a partir de agora, o jogo será às claras, com o presidente da Câmara assumindo-se opositor. 


Ou seja, de um lado, a ameaça de impeachment da presidente. Do outro, a possibilidade de pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara com base nas denúncias do MPF. O caldo tende a engrossar ainda mais. 

Caso se confirme a ruptura com Dilma, o deputado terá dificuldade para arrastar consigo o PMDB. Afinal, uma coisa é ele mesmo, investigado pela Lava Jato, postar-se do lado de lá do balcão, abraçando o mantra de que a melhor defesa é o ataque. Outra bem diferente é convencer a penca de ministros do partido a entregar os cargos. É difícil acreditar numa debandada do PMDB hoje. Ano que vem, talvez.

A declaração de Cunha foi dada no mesmo dia em que Julio Camargo acusou o deputado de embolsar US$ 5 milhões em propina para custear despesas de campanha em 2007. É uma bomba e tanto, principalmente num momento em que o Congresso se prepara para analisar a decisão do TCU, preocupante qualquer que seja ela, mas principalmente se recomendar a rejeição das contas de Dilma.

Cunha culpa Rodrigo Janot pela reviravolta no depoimento de Camargo e o governo de manobrar para implicá-lo no esquema da Petrobras. Por óbvio, há o dedo do Planalto nessa história. Um dia antes do pronunciamento do deputado em cadeia nacional e com o Congresso prestes a entrar em recesso, quando Cunha não terá condições de dar o troco? 

Foi tudo perfeitamente orquestrado para ter sido casual. 

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