Não sei quem je suis, se o Charlie ou o Ahmed ou se o cara que se escondeu no freezer do supermercado quando a coisa ficou feia lá fora. Talvez preferisse je suis a menina cuja foto acabo de ver no Facebook e que, por um segundo, me fez perder o fôlego, a calma, a certeza de que está tudo bem, obrigado.
Sem nunca tê-la conhecido antes na vida, conheci a
foto da menina de sorriso fácil, alegre, um polegar erguido, os olhos puxados e,
logo acima, a frase do pai, atordoante, irredutível, esse tipo de frase que a
gente lê e relê à procura do erro, de algo que aponte para uma falha de compreensão.
A frase é: “Minha filhinha morreu”. Je suis
esse pai. Se tiver de ser, serei também essa garota que não tive tempo de
encontrar.
Je
suis
é uma questão ainda tão complicada. Fico me perguntando se mais gente chega aos
trinta e poucos sem saber ao certo quem je
suis ou, pior, se algum dia terá a segurança de que je suis do fundo do peito, assim, sem sombra de dúvida, esse tipo
de je suis que a gente percebe só de
olhar ou abraçar, um je suis autêntico,
pegajoso de tão concreto.
Tenho minhas dúvidas, mas gosto dessas dúvidas tanto
quanto das três ou quatro qualidades que consigo identificar em mim. Hoje,
quando todo mundo je suis a toda hora
e quase ninguém se pergunta como faz para je
suis o tempo inteiro, eu prefiro je suis
ninguém, ou je suis quem não está
nem aí, ou je suis uma vez a cada
três meses.
A internet cria essa hipnose coletiva. O consenso
é o ebola da modernidade. A gente passa a vida inteira achando que tem opiniões
muito diferentes da norma e acaba descobrindo numa corrente do bem que je suis todo mundo, je suis qualquer um a qualquer hora do dia sem se perguntar por que
cargas d’água a gente je suis uns e
não outros.