E antes
de sair disse só mais uma coisa, e foi como se essa coisa aparentemente banal
anulasse todo o resto. Foi exatamente assim, a única coisa que importava
exposta ali, como ao acaso, depositada ou largada sem rigor, uma peça
extraviada de uma nave espacial. É só isso que tenho pra falar, concluiu,
talvez num tom exageradamente teatral, talvez a sério, o acréscimo que punha
tudo a perder. Basta que uma frase mal compreendida ganhe vida e então tudo
está por um fio.
Ficou
calado, esteve calado por todo esse tempo sem saber por que permanecia calado
ainda que tudo em redor o convidasse e mesmo o intimasse a falar, a fornecer
informações sobre si mesmo que depois seriam usadas para compor um perfil. Era isso,
as pessoas gostam de se assegurar de que estão falando com alguém cujo perfil
conhecem e não com um estranho que a qualquer momento pode acrescentar um
significado imperceptível ao final de uma frase, pondo tudo a perder. Não
entendia por que apenas ao fim de tantas frases é que se dava conta de que o que
tinha a acrescentar era o que realmente queria dizer desde o início, mas isso
já muito para sua cabeça preocupada com as contas e outras bagatelas do
cotidiano. A gente começa pelo fim, arriscou uma sabedoria popular da qual
imediatamente se arrependeu.
Pediu
licença, tomou água, checou as mensagens no celular e em seguida foi embora. Parou
na calçada, alguém acenava. Acenou de volta. Era o amigo do trabalho que ia
passando, ou que achava que ia passando, um homem de gravata e terno num calor
do meio-dia. Não suava.
Que estranho, pensou, e então pediu licença novamente e
segredou à primeira mulher que viu na rua o que vinha guardando esse tempo
inteiro: as últimas palavras não significam nada além de que são acrescidas
depois de tudo, e depois de tudo nada mais importa.
Só
mais uma coisa, repetiu enquanto a mulher afastava-se com uma mão adiante como
a dizer, por favor, prefiro evitar pessoas que me abordam na rua e dizem o que
lhes vêm à cabeça.