Há
três semanas, logo quando entrei de férias, consegui terminar “Um outro amor”,
do Karl Ove Knausgard, o segundo volume de seis que integram a série épica “Minha
luta”. Havia começado três meses atrás, mas a correria da gravidez da minha
esposa e uma mudança de apartamento acabaram se impondo na rotina. Fui deixando
o livro pra trás, mas sem substituí-lo por outro. De alguma maneira, sentia que
não poderia avançar se não terminasse de ler Karl Ove.
“Um
outro amor” tem 592 páginas. “A morte do pai”, o primeiro livro, tem 512. Os
seis volumes, somados, têm mais de três mil páginas. É uma empreitada e tanto
percorrê-los, principalmente agora, com tantas contas e gadgets requerendo
nossa atenção a todo instante enquanto o passarinho assobia a intervalos
regulares indicando que uma nova mensagem nos espera.
E quais
as garantias que, ao final do livro, uma recompensa à altura do esforço
despendido nos aguarda, como o pote de ouro do outro lado do arco-íris? Nenhuma,
eis a triste verdade. Ler, sob muitos aspectos, pode ser tão frustrante quanto
todo o resto.
Indicar
romances é uma armadilha. Cada leitor tem expectativas únicas, cada livro se
comunica com seu público de uma maneira diferente e em tempos diferentes,
abrindo canais diferentes, apertando teclas diferentes a cada nova leitura. Como
explicar a outra pessoa, então, que “Um outro amor” é uma epopeia doméstica,
que nada de muito importante acontece, que o tempo passa devagar, que o
narrador é implacável muitas vezes e de muitas maneiras possíveis, que nos
sentimos constrangidos mesmo que não conheçamos as pessoas de quem o autor fala?
Por
outro lado, com frequência nos surpreendemos alinhados aos sentimentos de Karl
Ove. Mais, vamos descobrindo, e isso é fantástico, que nós somos Karl Ove, que
suas mesquinharias e inseguranças são também as nossas e que invariavelmente
nos portamos e pensamos em termos semelhantes aos dele. A diferença é que não escrevemos
nossos pensamentos e os publicamos em série para que centenas de milhares de
pessoas saibam exatamente como nos referimos a elas em privado nem o tanto de
energia que desperdiçamos na tentativa de parecermos o que não somos.
É claro
que não se trata apenas disso, mas a sensação é de que a literatura de Karl Ove
é uma operação ordinária, que não há qualquer artifício literário, que as
frases que soam como se faladas vêm aos borbotões porque não poderia ser de
outra forma. Mas sempre há como soar diferente.