Faz tempo que não falo dos livros. Recomendo dois deles, um mais que o outro: o novo do Zambra, Formas de voltar para casa, e o outro de uma autora uruguaia, Inês Bortagaray, Um, dois e já. Os dois, por curiosidade, ambientados num tempo afetivo muito perigoso, o tempo da privação de liberdade, dos silêncios prolongados, dos sumiços, do sumidouro em que se transformou todo o continente.
O primeiro é um típico exemplar de Zambra:
ficção e não ficção se enovelando, exposição dos mecanismos que movimentam a
construção do discurso literário, um relato que ilumina o outro, memória e amor.
Autoficção? Desaparecimento, ditadura, amor, persistência, recorrência, o
abismo entre gerações? Definitivamente, não faço ideia da matéria do romance.
Preciso reler, agora pinçando cada palavra
da página separadamente e examinando-a sob luz forte, uma luz branca, como um
cirurgião ou um mecânico ou um biólogo que contempla muito serenamente uma
espécie marinha jamais vista ou um osso partido em três pedaços ou uma peça de
automóvel desgastada pelo uso contínuo. É assim que me sinto ao encontrar as mesmas
palavras que manejo todo santo dia sendo utilizadas de outro modo na
literatura. Sendo as mesmas, são outras. Parecem dizer, há uma dimensão mágica.
Basta olhar.