Houve um tempo em que eu podia falar sobre
a gratuidade quando desejasse e de maneira até mais espontânea. Hoje é
diferente, claro, e a espontaneidade vai ficando mais calculada. Até que a
aparência calculada se confunde totalmente com o gesto gratuito. Não sei se o
nome disso é cinismo nem se de fato designa uma prática desagradável. Talvez não
seja, e calcular e agir correspondam às duas faces da mesma moeda.
A gratuidade, essa qualidade que admiro
cada dia mais, não se encerra depois do ponto final. Dizer que qualquer
história segue depois do ponto final é um clichezinho, eu sei, mas é que com o
gratuito isso acontece de verdade. É fácil identificar os modos do gratuito. Continuidade
desinteressada, ausência de pequenas intervenções projetadas dias ou até meses
antes do ato.
Mas o que é o gratuito?
É tudo que dispensa obrigações,
explicações, salamaleques – o não gratuito é, portanto, tudo que exige uma
porção extra grande de energia e paciência, mesuras, protocolos e uma argamassa
especial que mantém um sorriso arreganhado por até 12 horas (ideal para
reuniões mais longas).
E tudo isso parece elogio da espontaneidade. Não é. Quer palavra mais ingrata que essa? “Fulano é tão espontâneo.” Pior que ela, apenas “criativo” e derivados, empregados sempre com essa intenção falsamente perspicaz de traduzir os desenhos infantis reunidos num caderninho ou a nova configuração dos móveis na sala.
Frequentemente as pessoas confundem o
gratuito, que é outra maneira de falar do banal, com o “de graça”, outro nome
para barato. O gratuito não é barato nem fácil: é prazeroso, inútil, mas pode
ter um preço elevado. É diferente do barato, cuja razão de ser está no valor, normalmente
abaixo de um patamar estipulado por alguma norma monetária. O barato pode sair
caro; o gratuito, nunca.
E se paro por aqui é apenas porque a
história que pretendia contar foi aos poucos deixando de ser gratuita para se
tornar barata.