Um falso perfil no Twitter anuncia uma
falsa morte de um escritor hábil e indigesto. Longe dali, no mundo real, um falso
intérprete para surdos gesticula freneticamente. Entretanto, as palavras que vai desenhando no ar não querem dizer nada para
olhos terrificados. Um comunicado informou que o falso intérprete não foi localizado para prestar "os devidos esclarecimentos".
Num estádio de futebol com capacidade para 95 mil
pessoas, um presidente se fotografa sorrindo num selfie que captura um grama de genuína felicidade. Está ao lado da esposa, que não consegue disfarçar o falso
ciúme que sente toda vez que uma autêntica blondie
flerta de mentirinha com o homem mais poderoso e também o mais falsamente
honesto do planeta. A imprensa, vacilante entre a falsa excitação e a verdade por trás da cena, decide escolher no cara ou coroa. A possibilidade de que esteja 50% certa a conforta mais que tudo.
Em resumo, o sorteio é falso, as bolas foram
manipuladas. O leite é falso, foi diluído em água oxigenada. A viagem é falsa,
não levou a lugar algum. O afastamento das redes sociais é falso, a distância
autoimposta não se reflete em aprendizado. O isolamento é falso, deseduca mais
que a socialização. O desinteresse é falso, acusa alto grau de interesse. O interesse é
falso, deságua em indiferença. A revolta é falsa, existe apenas no breve instante
entre o afago oficial e a prospecção de oportunidades. A apatia é falsa, traduz
uma surda concordância. A anuência é falsa, está a um passo da ruptura.
O falso encontrou no falso o
suporte perfeito, e nunca foi tão difícil enxergar um palmo diante do próprio
nariz.