Não era falta de tempo, nem engasgo. Era um
susto qualquer. Ia passando e de trás da árvore saltou uma forma. Nem homem nem
bicho. Uma sombra pavorosa me deixou com medo.
Fragilizado, continuei andando, mas só por
costume. Queria parar, mas parar pedia coragem. Quis correr – correr não estava
ao alcance. Segui andando. Fui aplaudido como se aplaudem os moribundos a lutar
contra o câncer. Atribuímos coragem a quem apenas se move. Dizemos forte a quem
quer se entregar. Enxergamos beleza em quem se limita à ruína. Tomamos o falso
por verdadeiro como se estivéssemos imbuídos de algum sentido missionário. Precisamos
acreditar. E acreditamos. Não importam os sinais. Fui em frente.
Contrastava dentro e fora. Não aceitava que
o dentro não combinasse com o fora. Exasperava. Ninguém reparava. Intimamente,
porém, esse desacordo me aborrecia. Passei por outra sombra.
Pensei comigo: a gente sorri e acena e
abraça. Sem levantar suspeitas do temor que carrega. Do pior. Do tanto de coisa
ruim. É uma condição terrível ser visível apenas do lado de fora. As pessoas
podiam ver tudo que trazemos ao corpo.
Seria tão mais simples pesar cada alma se pudéssemos averiguar todos os cômodos da casa, do mais arejado ao mais bolorento.
Seria tão mais simples pesar cada alma se pudéssemos averiguar todos os cômodos da casa, do mais arejado ao mais bolorento.
Diz pouco o corpo pendulando a cada passo,
os braços como que acostumados a alcançar objetos e trazê-los à boca. As pernas
aprendidas do caminho. A cabeça já apontada na direção certa.
A normalidade encharcando tudo. Para, na
próxima esquina, de trás da árvore, saltar uma sombra. Uma forma pavorosa, que
é também maravilhosa. Nem homem nem bicho.