Já nem digo: parei de fumar. Digo apenas: fumo há uma semana, a carteira esvazia-se, tento não combinar cigarro e bebida, estabeleço intervalos maiores entre um cigarro e outro, elejo horas do dia em que saio para fumar. No fim da tarde. Depois do almoço. Na saída do trabalho, enquanto caminho. Após o sexo: um clichê verdadeiramente prazeroso.
É um avanço medicar-se com doses
homeopáticas da própria doença, que, espera-se, vá desaparecendo aos poucos,
até finalmente sumir. Existe, mas não está.
Sem o imperativo da proibição, parte do
desejo se esvai. Com o cigarro não é diferente. Ele está lá, ao alcance da mão,
sobre o tampo da mesa, entre um pacote intacto de Bis e um cesto de pães. Perto
da sanduicheira. Ao lado da garrafa do café. Entre livros. Cabem muitos objetos
em cima da geladeira, e um deles é a caixinha branca contento duas fileiras de
cigarros. É um objeto da casa, portanto. É desejado.
A casa comporta tantos desejos. Nem me
atrevo a listá-los por medo de esquecer algum. Os desejos obedecem a ordens
distintas. Há aqueles que deliberamos alimentar. Aqueles alimentados à revelia.
Aqueles que, à míngua, permanecem. Escondidos
atrás do sofá ou das cortinas, comem da própria carne, bebem do próprio suor.