Antes de sair de
casa, corrigiu a postura e checou o celular, vasculhou a carteira a ver se
tinha dinheiro suficiente para bancar as provisões do dia, varreu o apartamento
como uma grande angular cartesiana, dispôs cada móvel no lugar não onde estava,
mas onde deveria estar, encarou o boneco do Homem de Ferro, confirmou se a
luzinha vermelha da tevê estava acesa (estava), se a porta da geladeira fora
fechada, se a colcha da cama havia sido feita, se desligara o computador, se a
torneira pingava, se carregava caneta, cigarro, isqueiro, mochila, se dentro da
mochila havia jornal do dia, papéis, bloco de notas, mais canetas e uma
lapiseira, presente quando fez 25 anos.
É um procedimento
normal, tentou se convencer. Antes de sair de casa, caminhar duzentos metros e
acenar para uma das cinco linhas de ônibus que o levará até o trabalho, onde o
esperam um computador, uma cadeira, um copo e um telefone, é procedimento
padrão certificar-se de que tudo que havia empilhado continuava como estava,
camada sobre camada, objeto contra objeto, o guarda-roupa virado para o
canto, a mesa empoeirada, os pratos à espera de sabão, a fileira de livros
organizados segundo a urgência que impõem: primeiros os da semana, seguidos dos
livros do mês e os do ano. Do que ainda resta do ano.
Antes de sair,
girou a chave. Emperrada. Com uma pressão leve, que produziu um estalo, trancou
tudo que tinha dentro da casa. Em seguida, alinhou o tapete à porta. O vento
assobiou nas tubulações de energia, cabeamento de internet e telefone.
Era um zumbido tranquilizador.