Disse o Armando Freitas Filho que só gente
muito sortuda encontra o que procura quando não está procurando, o que não soa
como uma definição tão extravagante assim de sorte. Pelo contrário, se existe
uma boa definição para a palavra, eis uma que não deixa nada a dever: dar de
cara com o que a gente deseja, talvez até sem saber, sem precisar procurar. No mais das vezes, investe-se tempo e energia em algo cujo ganho é vacilante e a consistência, escorregadia.
É uma tarefa espinhosa tentar encontrar a sorte no
cotidiano, apanhá-la na sala, surpreendê-la na cozinha ou no banheiro, tocaiá-la
deslocando-se rápido pela brecha da porta que se abriu com o vento enquanto tirávamos os móveis do lugar de sempre,
cercá-la com vassoura, pano de chão e rodinho de pia, que todos os recursos e
ferramentas empregados na conquista e manutenção da sorte são escassos e
nenhum garante, como de resto os mais otimistas podem ser levados a crer, que encontrar não seja também um dos muitos significados para perder.
Tenho pra mim, porém, que o poeta se
referia apenas à poesia - quando muito, ao fato de jamais esperar que nenhuma
musa lhe sopre nos ouvidos ou que a inspiração vá ao seu encontro: ele mesmo se encarrega de dançar em descompasso com a música ambiente, o que não é, ao menos à primeira
vista, uma definição satisfatória para contentamento poético.
Ocorre que encontrar contentamento é, mais que a poesia, uma sorte das grandes, mas sobre isso o Armando Freitas Filho não falou quase nada.
Ou falou e eu não entendi, o que me leva a tomar em consideração outra verdade.
A de que todo mundo precisa de sorte até para entender o que outra pessoa fala e silencia.